Perfume: filme protagonizado muito bem por Ben Whishaw, de bela fotografia lançado em 2006 e com final bizarro; é também motivo de atração entre pessoas. É sério.
Betânia cumpria uma espécie de ritual depois de cada banho. Usava cremes; não muitos: dois para rosto e corpo. Também passava perfume depois de cada banho. Um cheiro de lavanda que talvez só saísse de seu corpo quando do mundo físico fosse embora. Jorge também gostava do aroma de sua mulher.
Ao amanhecer, Jorge apreciava espreitar sua esposa pela fresta da porta que dava para a cozinha. O estalo dos gravetos que Betânia quebrava era um som agradável aos ouvidos do homem, logo no início das manhãs. Apesar dos confortos comuns da maioria dos lares, o casal conserva a cozinha com forno a lenha no fundo quintal da casa de arquitetura antiga – única preservada na rua.
Jorge sai do quarto e recebe da esposa uma xícara de café de sabor igualmente agradável como o som dos gravetos secos quando quebram. Dão-se bom dia.
- Bom dia.
Senta num banco que fica do lado de fora da casa. Uma boa pergunta agora é sobre quem sentou, faz-se necessário explicar que esses detalhes não são tão importantes assim. Toma-se um café. Dá para escutara as baforadas no leite que começou a ferver.
- Não derrame!
Alimento para os cachorros. Café da manhã juntos. Ignotas conversas. Olhares e sorrisos. Vez e quando gargalhadas. Mãos. Bocas. Boca.
Como que em círculos, Jorge segue sua rotina no trabalho. No caminho de volta, dirige especial atenção às folhas secas que correm como que querendo fugir da degradação que é natural. As cigarras cantam e seu som se mistura ao das folhas. À porta de casa, o ranger do portão lembra antigos filmes de quando era criança. Talvez como de felicidade os cachorros têm a respiração acelerada. O homem chega a fechar os olhos para ouvir esse barulho. Som. O tilintar das louças é o que vem a chamar atenção dessa vez. Não se demora. Entra e fala com sua esposa. Jantar. Sala. Televisão.
Iam deitar. Com se fosse surdo, agora sentiu bem o cheiro de lavanda de sua esposa. Respirou lentamente de modo a sentir suavemente aquele cheiro. Adormeceria e pela manhã não haveria o barulho dos gravetos, nem as baforadas no leite fervente.
Talvez o cheiro ainda estivesse no corpo de sua esposa e no desespero de vê-la morta naquele fim de início de manhã, não sentira o perfume da lavanda. Ou sentiu em uma outra instância. Somente o silêncio e o cheiro de lavanda ficaram naquele ambiente.